terça-feira, 29 de março de 2011

Cedo

Quinta-feira, 3:20am
Acendo um cigarro,
mas não cedo.
O sono não ascende
o fogo, aceso.

4:17am.

Não cedo.
Sem fogo,
sem medo
O sono não vem:
o medo.

5:50am

Já é cedo
(mas não cedo)
Sem fogo,
sem sono,
com medo.


NDS

sábado, 26 de março de 2011

Vivendo a outra parte

Andava por um parque deserto qualquer. Por um momento, pensei em um monte de ameaças, mas depois me perdi no meio de outros pensamentos. Meu desejo era o de ficar sozinha. Mais. Mais sozinha do que todos os dias em que passei sozinha. Queria me livrar de mim e esquecer da vida. Me esquecer. Me apagar da minha memória. Os celulares já não tocavam há algumas semanas e eu sabia que tudo continuaria do mesmo jeito, ainda que eu sumisse dentro daquele parque quase abandonado. Com um pouco de sorte, nada teria sinal lá dentro. Nem meu coração. Com um pouco de sorte, nem os seguranças mais estariam por lá. Tudo com um pouco de sorte. Encontrei um banco esverdeado no meio de uma trilha sinuosa. Naquele lugar, nem o som dos pássaros chegava. Nem o pensamento chegava. Joguei meu casaco e me deitei naquela pedra gelada e reta. A cabeça rodou por alguns minutos e só parou quando eu fechei os olhos. Se aparecesse uma pessoa disposta a me golpear, aquele momento seria o mais propício. Senti o cheiro de floresta entrando no meu corpo, por todos os poros. Senti meu corpo se misturando com a floresta também. Eu poderia morrer aqui, pensei. Continuei com os olhos fechados, respiração profunda, alguns calafrios e um pouco de medo mastigando meus pés. Tudo bem, tudo bem. Tá tudo bem. Meus olhos se contraíram e expulsaram, cada um, um filete dolorido de lágrimas. Fazia tempo que não sentia as lágrimas escorrendo pela lateral do rosto. Cadê você pra me salvar agora? Cadê sua mão quente segurando meu rosto molhado? Cadê seu perfume no meu cabelo? Calma, calma, tá tudo bem. Respira e esquece dessas coisas. Já passou. Espera, cadê aquele pingente que eu te dei? Deixa pra lá. Minha cabeça funcionava numa velocidade anormal. A esse ponto, a respiração já era uma bagunça tão grande quanto eu mesma. Não, não, não tão grande assim. As lágrimas agora desciam mais pesadas e em todas as direções possíveis. Minhas mãos tremiam e o resto do meu corpo já estava dormente. Eu realmente queria evaporar no meio do parque e ficar desaparecida para sempre, perdida no matagal. Toda uma vida cheia de erros e desilusões passeava pelo meu corpo se misturando ao sangue. Toda uma vida de palavras fortes e corações partidos. Vem me salvar, vem me salvar, vem me salvar, por favor! Além de todas essas frases malucas gritando na minha cabeça, comecei a sentir medo. Parecia mesmo que ninguém estava disposto a me salvar. Eu só queria sentir mais uma vez seu abraço. Só queria dormir mais uma vez na nossa cama quentinha. Tomar seu café fraco mais uma vez. Arrumar suas roupas, bagunçar sua cama, derrubar seus livros, gravar nossas conversas, preparar um jantar, tocar uma música, ouvir uma piada, contar meus problemas, rir dos problemas, resolver os problemas. Esquecer os problemas. Te encontrar nos meus sonhos. Te amar de novo. E me sentir amada também. Que bando de pensamentos sem sentido. Que bando de pensamentos infundados. Que dor forte no peito. Que dor forte na cabeça. Que dor forte no corpo. Que dor. Que dor. Que dor. Que saudade maluca. Senti um vento gelado me abraçando de leve, não daquela maneira aconchegante que você sempre fez, mas como se quisesse me expulsar daquele lugar de forma não tão rude. Levantei, mas não voltei para casa.


NDS

quarta-feira, 23 de março de 2011

Poesia sobre a véspera e desculpas já pedidas

Tentei te escrever essa noite
(mais uma daquelas em que você não dorme em casa)
tentei colocar no papel algo mais leve
que o de costume.

Não consegui, sabemos.

Nessa noite, a parede surge de duas cores:
um tom claro de pesares e muito escuro de saudade
No lugar da carta,
os mais diversos sentimentos
misturando-se ao meu penar.

E me resta a cadeira,
a mesa posta,
o chá e o café.
A sobremesa.

Nessa noite, o telefone não toca.


NDS

sábado, 12 de março de 2011

Cidade Jardim

Sempre me perco na avenida
e no elevador.
Sempre me perco na corrida
na rima
na poesia.

Não entendo seu cheiro
em tudo isso:
na camisa aberta
na rua parada
na casa lavada.

E na avenida,
as palavras rimam
de forma
- quase - 
ridícula.

Continuo perdida.

(apagar a poesia, vá lá
mas quem me apaga a memória?)


NDS