sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ao poeta

Hoje conheci um poeta.
Poeta de verdade
Desses com olhos e mãos e cabelos e alma de poeta
sala tapete sofazinho ao fim da tarde
um álcool um cigarro um café um amor
que não deu certo
que amou demais
que se transformou em disco de vinil esquecido
um livro preferido
um cheiro que lembre algo que você nem quer lembrar
mas sorri tanto quando sente que tudo fica quente.
Hoje conheci um poeta.
Poeta de verdade
Poeta que se transformou
em livro
em palavra
em poesia.


NDS

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Sozinha

Hoje eu tô num café
tomando café.
Sozinha. Eu sempre tô sozinha.
Comprei bons livros.
Li Caio (é uma primeira edição!)
Li Pinky Wainer também
Pensa: saí de casa querendo
te ver
e beber
E olha só, não te vi
não bebi nem nada
Mas agora sou café e poesia
(daquela barata pela qualidade
e bem cara pelo café)
A sorte, se for pensar,
é que te vi em cada livro
e bebi essa cidade louca
com as mãos e os olhos e todo o corpo
(e os pés na Augusta)
No fim, tudo o que sei fazer é
xingar forte porque meu café acabou.


NDS

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Moléstia poética

Existe uma doença que corrói por dentro e se chama loucura.
Peguei essa de você.


NDS

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Um bom vinho
tinta
te vejo
quente
era sangue
é veneno


NDS

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Pinga dentro do peito
uma tinta que mancha
e não sai.


NDS

sábado, 17 de abril de 2010

-Alice?

-Alice?
-Fala.
-Obrigada por me deixar passar a noite aqui.
-Imagina. Você pode vir sempre que quiser.
-Fico sem graça porque sua casa é tão pequena...

~


-Alice?

-Oi.
-Por que você está fazendo isso de novo?
-Isso o quê?
-Se fodendo.
-Não estou me fodendo, cala a boca.

~


-Alice, você não tem medo dessas coisas?

-Que coisas?
-Sei lá, o mundo engolindo a gente.
-Não faz diferença.
-Então por que você resolveu ser escritora?
-Eu não resolvi ser escritora. A vida me fez assim.
-Você não pode deixar isso acontecer.
-Por que não?
-Porque eu consigo ler uma poesia até no teto do seu quarto.

~


-Alice?

-O que foi?
-Não precisa se irritar.
-Não estou irritada. Diz logo o que você quer.
-Nada, só queria ouvir sua voz.

~


-Alice?

-...
-Alice? Alice, você dormiu?
-Dormi.
-Eu te amo.


NDS

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Chá das cinco

Quando resolvo sentar sozinha num café
e exatamente no lugar onde você me faria companhia
ajeito meus problemas
penso que abaixo de todos eles
te encontrarei
sorrindo, talvez
com aquele olhar que me traz alguma calma
Então direi num tom duro
"Segure as pontas, pois você será responsável por todo esse peso"
Sei que falo sem propriedade alguma
mas como estarei sozinha num café
com meu próprio café sozinho
esfriando lentamente e embaçando meus olhos inchados
(e ainda posso ouvir os carros que se amontoam naquela esquina)
Nesse momento - bem nesse momento, 17:23, quinta-feira sombria
esquecerei de qualquer problema
já não estarei sozinha
porque meu café gelado
sentado em seu lugar, acima de nossos problemas banais
meu café gelado será apenas
mais um café esquecido.


NDS

sábado, 10 de abril de 2010

Taberna

Tudo fede.
Um cheiro de carniça me envolve
da cabeça
aos pés.
É barro, é lama
é massa de terra preta
É o seu cheiro
invadindo meu corpo
preenchendo minha alma
com despalavras
com dejetos
desprojetos
Projetando na parede
sua real imagem
de podridão
(ou seria lá perdição?)
de boemia e sexo barato
buscando quem queira
seu querer
ébrio
suas palavras
tontas
num quarto sujo
num café gelado
num álcool anidro.
Buscando seus pedaços
enterrados num só fracasso
na sua puta fodida
na sua poesia falida.


NDS

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poiesis

poetas que são poetas
sabem da loucura de suas palavras
poetas como você já nasceram loucos
e não sabem fazer além da insanidade
aquilo que julgam normal


NDS

Season finale

Você é chuva fina
garoa da cidade
que cai leve nas costas
(e chuva fina me agrada como álcool ou café)
- mas essa chuva passa
e seca.


NDS

quinta-feira, 8 de abril de 2010

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café é ração
que bebo todos os dias
para começar a rotina

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café é ração
que bebo todos os dias
para escapar da rotina


NDS

terça-feira, 6 de abril de 2010

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você passa correndo por mim, stop!

         e não se dá conta de que
                                        nosso
                                    mundo
                                     corre
                                       ao
                         contrário.


NDS

sábado, 3 de abril de 2010

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Alice, a outra, acorda e parte
seu mundo já não faz sentido
o mundo dos poetas roda mais rápido
e no luz-sem-luz do metrô
minha Alice rabisca suas ideias
perguntam qual Alice é a certa
respondo: se houvesse razão
em qualquer atitude
EM QUALQUER ATITUDE
-RAZÃO-
NÃO HÁ RAZÃO
se houvesse razão
em qualquer atitude
não haveria ninguém com o mesmo nome
a mesma roupa
o mesmo sapato
se houvesse razão no mundo
não haveria mundo
porque a graça disso tudo
é saber que no fundo
não há nada sensato
nada que seja puro
nada mais duro
que o
CAOS


NDS

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A outra Alice amargurada

Olha, Alice, é um espelho
bem na sua frente, bem na sua cara
É seu reflexo que vejo
distorcido e deformado
desmanchando em alguns pedaços
É sua imagem que se apresenta assim
cheia de manchas, cheia de marcas
Essa é você quando fechamos os olhos
quando apagamos as luzes
quando tiramos as roupas
Essa é você, Alice, que se esconde
temerosa num arbusto de flores mortas

Alguém recita aquele dos Anjos

falamos sobre quimeras e eu
solto uma gargalhada audível
De novo recitam algo que já conheço
prontamente digo seu nome
Me olham enojados, sinto nojo também
Outro alguém cospe de lado
todos olham pensando ser você
Não é, não é
Trancamos pesadelos numa caixa
numa caixa espelhada por dentro
e vedada por fora

Trancamos você num espelho sem volta.



NDS