domingo, 19 de agosto de 2012

Fechado

Você se fecha.

Voce se fecha inúmeras vezes. Como uma mania maluca de fechar tudo o que está aberto.
Biscoito.
Garrafa.
Casaco.
Janela.
Porta.
Você.
E como sempre aparece alguém disposto a estragar tudo, você volta a abrir.
Então venta forte. E você se fecha com uma forte batida.
Qualquer pessoa sabe que algumas coisas quando ficam fechadas por muito tempo, emperram.
E nunca mais abrem.
Às vezes os olhos. Outras, a boca. Para os frustrados com o amor, o coração.
No meu caso, fechei a cabeça. Não entra mais nada, a não ser por vias alternativas (algumas informações conseguem entrar pelos olhos ou ouvidos).
Mas a maior sorte de fechar a cabeça, é que pessoas não conseguem mais entrar.
E se pessoas não entram, problemas decorrentes de pessoas que ficam tempo demais não conseguem se fixar.
Sem problemas, não preciso trabalhar nenhuma técnica de conciliação pessoal.
Não quero. Me relacionar com pessoas é desnecessário. É irritante. É improdutivo.
Assim, eu posso escrever qualquer coisa. A qualquer momento. Em qualquer situação. Não ligo para pessoas criando seus mil problemas. Não ligo para os problemas criados por mil pessoas.
Só observo. Porque sei que aqui dentro é um lugar seguro.
E nenhum problema de nenhuma pessoa vai desfazer isso.


NDS

domingo, 18 de dezembro de 2011

Sobre o que há em mim

por que diabos fico tempos assim sem escrever?

a vida vai acontecendo no caminho e não consigo evitar
nuns dias chove e eu rabisco, durante o banho, toda nossa história no azulejo
então rego as ideias com água encanada e seco com algodão orgânico

e quando faz sol, me escondo no travesseiro
com voz de sono, digo que não posso sair
"essa luz toda ainda vai me cegar"

anoitece
e eu coloco todas minhas roupas para dançar
invento as melhores combinações e ponho o vestido de sempre
não gosto muito dele, mas o que não faço para te agradar?

aí as semanas voam, como nossos aviões de papel
o jornal se acumula na porta
e o café esfria na mesa

só então eu me sento e lembro que passei dias ou até anos sem escrever.


NDS

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Aquarela

te escrevo
sobre aquelas coisas todas
que poetas escrevem para seus amores:

ouço música

rabisco e cochilo

crio uma bagunça inteira


perco as palavras

esqueço a coragem na gaveta
escondo o fôlego no colchão

biscoito e café
na cama e no sofá

e um pouco de você

em cada lugar.


NDS

sábado, 15 de outubro de 2011

Bastilha

cantei baixo minha história
escrevi em branco os sentimentos
abracei
sozinha
o abraço que me prometeu
dancei para trás
esperei em silêncio
olhei o relógio que não uso
diversas vezes
segurei o choro e o sono
segurei seus livros e desenhos
dormi na chuva
chovi na cama
peguei fogo e apaguei
rodei nos sonhos
andei no ar

até cair

na real.



NDS

domingo, 18 de setembro de 2011

Outra para Stella

Stella,

já são outros muitos meses que não nos falamos. Um ano? Uma década? Uma vida? Bem, um ano tem sido uma vida por aqui.
Já não sei mais o que dizer ou perguntar sobre você em suas cartas. Na verdade, parei de receber notícias suas desde que você resolveu se envolver com aquele rapaz amigo nosso. Aquela foi a gota d'água, sabe? Achei que havia certo tom de desafio e vitória velada em sua voz rouca de álcool.
Olha, Stella, você deixou de ser a minha Stella naquele momento. Foi o sinal que eu estava esperando. Um corte no cordão umbilical, uma parede entre nossas vidas, eu diria. Um motivo real para me afastar e cuidar da minha baguncinha por aqui e te apagar do que ainda existia.
Me falaram de você dia desses. Foi algo engraçado que me trouxe boas lembranças por alguns minutos, mas logo em seguida, seu riso e transfigurou em grito e eu não pude fazer outra coisa além de me contorcer e te afastar mais uma vez de tudo isso.
Os olhos, nesse momento, se enchem de lágrimas, ao perceber como tudo ficou. Como foi o final de algo que poderia ter funcionado de modo diferente. Ou não. Ou não. Talvez nunca devesse ter funcionado e essa história foi apenas um livro a mais em nossas vidas, completíssimo, interessantíssimo.
Ah, antes que eu me esqueça, já moro em outra casa. É parecida com aquela primeira de todas. Dessa vez escolhi lilás! E ela é toda cheia de flores e plantas, passarinhos e música! Foi a coisa mais linda que já me aconteceu. E coloco até como mais bonita que você, porque nessa casa eu tenho um verdadeiro porto seguro e um lugar em que posso me abrir e me entregar sem que temer o bote da minha cama, dos meus travesseiros e próprios problemas.
Para falar a verdade, meus problemas desistiram de mim. Isso é uma coisa deliciosa na maior parte do tempo, mas às vezes sinto falta daquela pequena melancolia me envolvendo numa noite chuvosa e me sufocando enquanto tentava ligar para algum conhecido (ninguém me atenderia, acho) ou tentava tomar um daqueles mil remédios que cuidavam de mim na ausência de cuidados.
Parei com todos. Estou limpa de remédios e problemas. Estou limpa de dores, estou limpa de pesares nessa casinha com cor de flor e cheiro de jardim. Estou limpa de todas aquelas coisas ruim que eu mesma criei, que você me proporcionou ou que sempre estiveram em mim, ainda que eu não tivesse notado. Músicas novas, livros novos, amigos novos. Amigos velhos também. Muita poesia por aqui. Muita calma e reflexão.
Não sei se volto um dia para te visitar e dizer tudo isso e mais um pouco olhando dentro de seus amendoados olhos negros, mas pode ter certeza de que no dia em que isso acontecer, vou te procurar e dizer o que anda acontecendo e como estou cuidando de tudo isso sozinha.
É delicioso saber que não preciso da ajuda de ninguém, que não preciso me valer de amores breves nem de carinhos pesados e caros para me sentir bem, para me sentir completa. Foi-se o tempo de tudo isso. Foi-se o tempo de morrer pelos outros e agora só morro um pouco por mim.

Cuide-se,
A.


NDS