quarta-feira, 5 de maio de 2010

Carta de redenção

Oi, escrevo avisando que estou bem. Sei que quando nos vimos pela última vez, eu estava um pouco suja e velha, largada e esquecida em meus próprios aposentos, querendo distância de todos. De você, inclusive. Isso já faz uns três meses, não é? Ou mais, porque me lembro de alguma cor natalina nas ruas. Ou sonhei, porque bem sei que não saí de casa em busca de cores nem nada.
Acho que eu morri. Tenho certeza de que isso me aconteceu. Mas não me deixaram entrar em nenhuma das barcas (céu ou inferno?) e decidiram que me mandariam de volta. Pois então, estou aqui, viva. Não sei ao certo até que ponto estou viva, mas sei que ainda sou carne e osso. Admito que emagreci de forma exagerada... Mas para não me sentir tão mal com isso, me vesti com suas roupas e todas ficaram ótimas em mim, acredita?
Não estou mais morando naquela casinha alaranjada. Quando o proprietário soube que eu estava doente, internada ou seja lá o meu estado naquela época, pediu que eu saísse. Não foi algo gentil, mas ele argumentou que precisava de dinheiro e eu já não pagava o aluguel há algum tempo. Compreendi a situação. Agora me encontro perdida nas ruas de Porto Alegre. Não me pergunte o porquê de ser Porto Alegre. Devo ter me ludibriado com o nome da cidade, pensando que talvez aqui algo me fizesse mais feliz.
Encontrei a felicidade, quebradinha pelos cantos. Moro com uma mãe e seu filhinho num apartamento de dois quartos, logo acima de um inferninho. Sei que não é divertido saber como levo a vida, mas você devia se orgulhar ao ouvir que consegui um emprego sozinha. Não preciso falar mais sobre isso; entenda como quiser. O dinheiro dá para o que eu preciso e, com um pouco de sorte, ainda consigo juntar meus trocados e comprar alguma bobagem que me faça esquecer do mundo por algumas horas.
Conheci uma menina legal. Vocês têm o mesmo nome. Até a pronúncia ela pede que seja a mesma. Isso é engraçado... Mas vocês são muito diferentes. E isso é triste. É triste porque todo dia sinto sua falta. Mesmo quando estou dormindo, você invade meus pensamentos e quando preciso acordar, me beija com delicadeza e contorna meus lábios com suas mãos quentes. Merda, como eu sinto sua falta.
Não sei se fugir daí foi uma boa escolha. Não sei se eu tenho feito boas escolhas nos últimos tempos. Não sei se continuo sendo eu mesma. Não sei nem se você ainda quer saber de mim. Você quer? Eu quero saber de você. Quero acordar daqui uma semana chorando desesperada e te procurando ao meu lado; quero acordar durante a madrugada com um telefonema seu (ainda que eu não tenha telefone por aqui e tenha vendido meu celular para conseguir dinheiro); quero sair de casa numa noite fria e te encontrar com o carro na esquina, me esperando com um abraço e um casaco.
Olha, me desculpa por todo o estrago que fiz na sua vida. Você não sabe como é difícil admitir algumas coisas e chegar aqui, depois de ter sumido sem avisar, escrevendo uma carta tão pessoal de forma tão impessoal. Seria mais adequado que eu voltasse e nós tivéssemos essa conversa ao vivo, não é? Estou trabalhando nisso. Por enquanto, preciso agradecer por ter se cedido tanto e por ter cuidado de mim como nunca cuidaram antes.

Obrigada.
E se me permite as palavras tortas (minhas mãos tremem tanto nesse momento!): eu te amo.

A.
Porto Alegre, 29 de abril de 2010.


NDS