domingo, 18 de setembro de 2011

Outra para Stella

Stella,

já são outros muitos meses que não nos falamos. Um ano? Uma década? Uma vida? Bem, um ano tem sido uma vida por aqui.
Já não sei mais o que dizer ou perguntar sobre você em suas cartas. Na verdade, parei de receber notícias suas desde que você resolveu se envolver com aquele rapaz amigo nosso. Aquela foi a gota d'água, sabe? Achei que havia certo tom de desafio e vitória velada em sua voz rouca de álcool.
Olha, Stella, você deixou de ser a minha Stella naquele momento. Foi o sinal que eu estava esperando. Um corte no cordão umbilical, uma parede entre nossas vidas, eu diria. Um motivo real para me afastar e cuidar da minha baguncinha por aqui e te apagar do que ainda existia.
Me falaram de você dia desses. Foi algo engraçado que me trouxe boas lembranças por alguns minutos, mas logo em seguida, seu riso e transfigurou em grito e eu não pude fazer outra coisa além de me contorcer e te afastar mais uma vez de tudo isso.
Os olhos, nesse momento, se enchem de lágrimas, ao perceber como tudo ficou. Como foi o final de algo que poderia ter funcionado de modo diferente. Ou não. Ou não. Talvez nunca devesse ter funcionado e essa história foi apenas um livro a mais em nossas vidas, completíssimo, interessantíssimo.
Ah, antes que eu me esqueça, já moro em outra casa. É parecida com aquela primeira de todas. Dessa vez escolhi lilás! E ela é toda cheia de flores e plantas, passarinhos e música! Foi a coisa mais linda que já me aconteceu. E coloco até como mais bonita que você, porque nessa casa eu tenho um verdadeiro porto seguro e um lugar em que posso me abrir e me entregar sem que temer o bote da minha cama, dos meus travesseiros e próprios problemas.
Para falar a verdade, meus problemas desistiram de mim. Isso é uma coisa deliciosa na maior parte do tempo, mas às vezes sinto falta daquela pequena melancolia me envolvendo numa noite chuvosa e me sufocando enquanto tentava ligar para algum conhecido (ninguém me atenderia, acho) ou tentava tomar um daqueles mil remédios que cuidavam de mim na ausência de cuidados.
Parei com todos. Estou limpa de remédios e problemas. Estou limpa de dores, estou limpa de pesares nessa casinha com cor de flor e cheiro de jardim. Estou limpa de todas aquelas coisas ruim que eu mesma criei, que você me proporcionou ou que sempre estiveram em mim, ainda que eu não tivesse notado. Músicas novas, livros novos, amigos novos. Amigos velhos também. Muita poesia por aqui. Muita calma e reflexão.
Não sei se volto um dia para te visitar e dizer tudo isso e mais um pouco olhando dentro de seus amendoados olhos negros, mas pode ter certeza de que no dia em que isso acontecer, vou te procurar e dizer o que anda acontecendo e como estou cuidando de tudo isso sozinha.
É delicioso saber que não preciso da ajuda de ninguém, que não preciso me valer de amores breves nem de carinhos pesados e caros para me sentir bem, para me sentir completa. Foi-se o tempo de tudo isso. Foi-se o tempo de morrer pelos outros e agora só morro um pouco por mim.

Cuide-se,
A.


NDS